quinta-feira, 3 de junho de 2010

Amós Oz

Amós Oz é escritor e jornalista israelense, nascido em Jerusalém em 1939. Publicou 18 livros, traduzidos para cerca de 30 idiomas. Um dos fundadores do Movimento "Paz Agora", representa a chamada esquerda engajada, favorável à criação do Estado palestino. Ensina literatura hebraica na Universidade Ben Gurion.

A frota de Gaza e os limites da força
Amós Oz - Folha de São Paulo 2/6/10

Por 2.000 anos, os judeus só conheciam a força da força em forma das chibatadas que lhes eram aplicadas. Há algumas décadas, porém, nos tornamos capazes de também exercer a força. Seu poder, no entanto, nos embriagou incontáveis vezes. Incontáveis vezes imaginamos que é possível resolver todo grande problema que encontramos por meio da força. Como diz um provérbio, para o homem que carrega um grande martelo, todo problema tem jeito de prego. No período anterior à fundação do Estado, larga proporção da população judaica na Palestina não compreendia os limites da força e imaginava que fosse possível usá-la para atingir qualquer objetivo. Por sorte, durante os primeiros anos de Israel, líderes como David Ben Gurion e Levi Eskhol sabiam muito bem que a força tem seus limites e cuidavam em não ultrapassar essas fronteiras. Mas, desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel sofre de uma fixação pela força militar. O lema é: aquilo que não pode ser realizado pela força pode ser realizado por uma força ainda maior. O cerco de Israel à faixa de Gaza é um dos fétidos produtos dessa visão. Origina-se da errônea suposição de que o Hamas pode ser derrotado pela força das armas, ou, em termos mais gerais, que o problema palestino pode ser esmagado em lugar de resolvido. O Hamas é uma ideia Mas o Hamas não é apenas uma organização terrorista.

O Hamas é uma ideia
Uma ideia desesperada e fanática nascida da desolação e da frustração de muitos palestinos. E ideia alguma jamais foi derrotada pela força nem por bloqueios, nem por bombardeios, nem soterrada sob as esteiras dos tanques de guerra ou atacada por forças especiais da Marinha. Para derrotar uma ideia é preciso oferecer uma ideia melhor, mais atraente e mais aceitável. A única maneira de remover o Hamas é que Israel chegue rapidamente a um acordo com os palestinos para o estabelecimento de um Estado independente na Cisjordânia e na faixa de Gaza, tais como definidas pelas fronteiras de 1967, com capital em Jerusalém Oriental. Israel precisa assinar um acordo de paz com Mahmoud Abbas e seu governo e, com isso, reduzir o conflito entre Israel e os palestinos a um conflito entre Israel e a faixa de Gaza. E o último só poderá ser resolvido, em última análise, pela integração entre o Fatah, de Abbas, e o Hamas. Mesmo que Israel capture uma centena de outros navios rumo a Gaza, mesmo que envie soldados para ocupar Gaza mais uma centena de vezes, não importa quantas vezes Israel use suas Forças Armadas, polícia e forças clandestinas, não haverá como resolver o problema.

Não estamos sós
O problema é que não estamos sós nesta terra, e os palestinos não estão sós nesta terra. Não estamos sós em Jerusalém, e os palestinos não estão sós em Jerusalém. Até que nós, israelenses e palestinos, reconheçamos as consequências lógicas desse simples fato, viveremos todos em permanente estado de sítio: Gaza sob sítio israelense, e Israel sob sítio árabe e internacional. Não desconsidero a importância da força. A força militar é vital para Israel. Sem ela não seríamos capazes de sobreviver nem por um dia. Ai do país que desconsidere a eficácia da força. Mas não podemos nos permitir esquecer nem por um momento que a força só é efetiva de modo preventivo para impedir a destruição de Israel, proteger nossas vidas e nossa liberdade. Cada tentativa de usar a força não para fins preventivos, ou de autodefesa, e sim como forma de esmagar problemas e esmagar ideias conduzirá a novos desastres, como aquele que causamos para nós mesmos em águas internacionais, no alto-mar, ao largo das costas de Gaza.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

Um comentário:

  1. Artigo muito interessante! não conhecia intelectuais israelenses que pensassem assim, com uma mente tão aberta e verdadeiramente progressista em favor da paz.
    As vezes me pergunto se criar o estado realmente resolve e o certo não seria fundir os dois estados um Estado Palestino e Israelense tudo junto a fronteira podia ser simbolica... essa coisa de Jerusálem ser sagrada para três religiões complica demais as coisas... se bem que isso também poderia ser resolvido apenas com uma palavra: Tolerância. palavra que conhecemos bem Graças aos filósofos do século XVIII, sobre tudo Voltaire. Mas no fundo a briga religiosa máscara o real motivo, penso, que o real motivo é econômico to achando que tem é petróleo demais embaixo daquele solo e por isso que esse povo fica brigando tanto... não consigo imaginar que seja só por que causa de uma cidade, ruinas de um templo ou tradições antigas vinculadas a uma religião que surgiu no seio do nomadismo dos povos do deserto.
    O pior é que o Império Estado-unidense: "avé, Obama!" apoia isso e acha certo, bonito... O judeus de hoje, não são muito diferente daqueles que os perseguiram no passado.

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