domingo, 21 de novembro de 2010

Hannah Arendt sobre "começo"

As condições em que hoje vivemos no terreno da política são realmente ameaçadas por essas devastadoras tempestades de areia. O perigo não é que possam estabelecer um mundo permanente. O domínio totalitário, como a tirania, traz em si o germe da sua própria destruição. Tal como o medo e a impotência que vem do medo são princípios anti-políticos e levam os homens a uma situação contrária à ação política, também a solidão e a dedução do pior por meio da lógica ideológica, que advém da solidão, representam uma situação anti-social e contêm um princípio que pode destruir toda forma de vida humana em comum. Não obstante, a solidão organizada é consideravelmente mais perigosa que a impotência organizada de todos os que são dominados pela vontade tirânica e arbitrária de um só homem. É o seu perigo que ameaça devastar o mundo que conhecemos — um mundo que, em toda parte, parece ter chegado ao fim — antes que um novo começo, surgindo desse fim, tenha tido tempo de firmar-se. À parte estas considerações — que, como predições, são de pouca valia e ainda menos consolo —, permanece o fato de que a crise do nosso tempo e a sua principal experiência deram origem a uma forma inteiramente nova de governo que, como potencialidade, como risco sempre presente, tende infelizmente a ficar conosco de agora em diante, como ficaram, a despeito de derrotas passageiras, outras formas de governo surgidas em diferentes momentos históricos e baseadas em experiências fundamentais — monarquias, repúblicas, tiranias, ditaduras e despotismos.

Mas permanece também a verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo; esse começo é a promessa, a única "mensagem" que o fim pode produzir. O começo, antes de tornar-se evento histórico, é a suprema capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do homem. Initium ut esset homo creatus est — "o homem foi criado para que houvesse um começo", disse Agostinho (De Civitate Dei,12, 20). Cada novo nascimento garante esse começo; ele é, na verdade, cada um de nós.

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo (1951). Trad. R. Raposo. São Paulo: Companhia das Letras,1989, p.530-531.

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