domingo, 4 de novembro de 2012


Respondendo a uma pergunta ...

Ao expor a teoria platônica da alma, em uma conferência, ontem, terminei comentando rapidamente a passagem 35A6-C7 do Filebo de Platão, na qual ele afirma que todo desejo é da alma. Trata-se de um "experimento de pensamento" no qual Sócrates imagina alguém que estivesse vazio (com sede) pela primeira vez e que pudesse, de algum modo, tocar a repleção (saciedade) (texto no handout abaixo).
A pergunta de um dos presentes propõe o caso de um bebê, que não tem ainda memória de nada; de onde, então, ele retira a representação para dirigir seu desejo? (sugerindo, implicitamente, que deve ser do corpo e não do psiquismo).
Proponho alguns elementos de resposta. 
. Platão não faz análise empírica para chegar onde quer chegar; o caso do indivíduo que tem sede pela primeira vez é uma situação imaginária que lhe permite expor suas hipóteses; ele não retira racionalidade da situação factual; não é necessário que o bebê tenha construído empiricamente alguma memória, para que a alma nele possa ser a instância principal de sua determinação;  aliás, o exemplo imaginado é semelhante, na medida em que propõe um indivíduo que tem sede "pela primeira vez"; justamente como intuito de evidenciar que, se o desejo é dirigido por algo, não é principalmente por uma determinação corpórea, mas tem que ser por uma determinação psíquica primeira; 
. ele não entra em discussão sobre como a alma entrou no corpo do indivíduo (mas poderíamos, se quiséssemos); de qualquer modo, penso que Platão recorre a elementos do imaginário popular religioso, para explicar questões de ordem não-religiosa: como é o caso da utilização da transmigração das almas, para explicar a possibilidade do conhecimento, contra o paradoxo do Mênon; poderíamos, por analogia, dizer que o bebê já nasce com alguma "memória" inata, na medida em que sua alma também "re-encarna";
. o que o texto quer apontar é que todos os nossos desejos, especificamente no caso do Filebo, na medida em que buscam algum tipo prazer, são modulações do psiquismo que significa e se representa objetos, objetos esses que são avaliados e valorados desta ou daquela maneira, para servirem de fins para a ação; o corpo e outros objetos corpóreos que movem o desejo e as ações o fazem enquanto objetos valorados por um psiquismo desejante, esta é que é a ideia.
. trata-se de pensar aquilo que, no homem, determina sua humanidade: e a resposta é a dimensão psíquica, inequivocamente, não a corpórea; quem age no homem é a alma, quem percebe, quem deseja, quem conhece é sempre a alma, não o corpo (o corpo não é sujeito de nada); é claro que há causas corpóreas, determinações da ordem do corpóreo que circunscrevem as circunstâncias da ação, mas elas são synaitiai, ou seja, causas coadjuvantes, adicionais, fatores circunstanciais que contribuem para que a ação possa acontecer; a explicação, para o Sócrates platônico, tem que ser da ordem da razão necessária e suficiente (não do tipo meramente mecânico ou fisiológico);  o que torna um ser humano mais ou menos humano é sua capacidade de realizar cada vez mais sua potencialidade racional, presente nele como possibilidade a ser efetivada pela educação e por suas ações na cidade; o que torna um ser humano bom (excelente ou virtuoso) é a capacidade que ele tem de se auto-determinar, de ser livre.
. a criança não é ainda plenamente humana, na medida em que ainda não desenvolveu aquilo que a marca como especificamente humana (não se trata de discutir naquele momento histórico a universalidade dos direitos humanos...); nem é o caso de tentar acompanhar empiricamente a emergência do psiquismo a partir do amadurecimento físico do corpo da criança; a criança humana é marcada pela essência de sua humanidade potencial; mas só a educação e a maturidade (política) a tornarão um ser humano pleno, ou seja, um cidadão atuante, que é capaz de exercer sua dimensão racional, que é (ou não) senhor de seus apetites, capaz de calibrar suas ações através de uma alma equilibrada, ou seja, justa; o assunto em questão é saber qual é a fonte de determinações que torna um ser humano um sujeito humano, e a resposta platônica é a alma: pois um ser só se humaniza na medida em que significa (fala, argumenta, comunica) e se propõe fins ou valores, instaura valorações que dão rumo às suas decisões e ações, individuais e coletivas. 
(continua ...)

handout Teoria da alma em Platão novembro 2012



textos de / sobre Aristóteles

ARISTOTLE. The categories. On Interpretation. Prior Analytics. By Cook; Tredennick. 1938.

ARISTOTLE. Nicomachean Ethics. trad. R. Crisp.

BERTI. As razões de Aristóteles.

DI CAMILLO. Las críticas de Aristoteles a Platon ...

ANGIONI. Substância e essência. Introdução.

WEDIN. Aristotle´s theory of substance.

MESQUITA. Aristóteles. Obras Completas. Introdução Geral.

ANNAS. Aristotle on substance, accident and Plato´s forms.

ARISTÓTELES. Metafísica. Bibliografia inicial.

DESCLOS. Metafísica. Divisão livros I, II, III, VII, VIII

textos de / sobre Epicuro

Epicuro, Lucrécio, Cícero, Sêneca, Marco Aurélio - Col. Os Pensadores.

Diógenes Laércio. Vidas e doutrinas de filósofos ilustres. M. G. Kuri.

WARREN. The Cambridge Companion to Epicureanism. 2009.

USENER. Epicurea. (Edição crítica monumental das cartas, textos e citações de Epicuro (Cambridge, 1887). 2010.

FISH; SANDERS. Epicurus and the epicurean tradition. Cambridge, 2011.

PESCE. Introduzione a Epicuro. 1981.

KARL MARX. Diferencia de la filosofia de la naturaleza en Demócrito y en Epicuro. 1841.

SCHMID. Epicuro e l´epicureismo cristiano. 1984.

SPINELLI. O conceito epicurista de kriterion. 2012.

CICERON. Sobre la naturaleza de los dioses. Museu do Prado. 1998.

FIGUEIRA. Do equilíbrio da alma. 1999.

COSTA. Thiago. O cuidado de si no epicurismo. 2009.



Nenhum comentário:

Postar um comentário