quinta-feira, 15 de janeiro de 2015


voltando de viagem,
desejo a todos um bom re-começo de ano, feliztudo para todomundo
cada ano velhonovo fico tentando entender melhor esse lance de fimcomeço
como acabo de chegar do Chile, aproveito para compartilhar um pouco de Pablo Neruda, 


     sobre terremotos, em Valparaíso 

"(...) Valparaíso às vezes sacode como uma baleia ferida. Cambaleia no ar, agoniza, morre e ressuscita. Aqui cada cidadão leva em si uma lembrança de terremoto. É uma pétala de espanto que vive aderida ao coração da cidade. Cada cidadão é um herói antes de nascer. Porque na memória do porto há esse descalabro, esse estremecer-se da terra que treme e o ruído rouco que vem da profundidade, como se uma cidade submarina e subterrânea lançasse seus campanários enterrados a tocarem, para dizer ao homem que tudo terminou. (...) Tudo começa às vezes por um movimento vago e os que dormem despertam. A alma entre sonhos se comunica com profundas raízes, com sua profundidade terrestre. Sempre quis saber isso. Agora sabe. Logo, no grande estremecimento, não há para onde apelar, porque os deuses se foram, as igrejas vaidosas se converteram em torrões triturados (...)". Neruda. Confesso que vivi.
foto - uma estação de metrô em Santiago


   sobre escadas, em Valparaíso

"As escadas partem de baixo e do alto e se retorcem subindo. Adelgaçam-se como cabelos e, fazem ligeiro repouso, tornam-se verticais. Têm marés. Se precipitam. Se alargam. Retrocedem. Não terminam jamais. Quantas escadas? Quantos degraus de escadas? Quantos pés nos degraus? Quantos séculos de passos, de descer e subir com o livro, com os tomates, com o peixe, com as garrafas, com o pão? Quantos milhares de horas que gastaram os degraus até transformá-los em canais por onde circula a chuva brincando e chorando? Escadas! Nenhuma cidade as derramou, as desfolhou em sua história, em seu rosto, as dispersou e as reuniu, como Valparaíso. Nenhum rosto de cidade teve estes sulcos pelos quais vão e vêm as vidas, como se estivessem sempre subindo ao céu, como se sempre estivessem descendo até a criação. Escadas que a meio caminho dão nascimento a um cacto de flores púrpuras! Escadas que subiu o marinheiro que voltava da Ásia e que encontrou em sua casa um sorriso novo ou uma ausência terrível! Escadas pelas quais desceu como um meteoro negro um bêbado que caía! Escadas por onde sobe o sol para dar amor às colinas! Se andarmos por todas as escadas de Valparaíso teremos dado a volta ao mundo (...)". 
Neruda. Confesso que vivi


Um comentário:

  1. Maravilhoso! Muito espanto e alerta para a vida que pulsa no próximo ano! Escadas com flores que nos chamam para subir! ótimo ano! E esse negócio de começo me faz lembrar das suas aulas de Heráclito! e daí um poema de Pessoa pra ti!

    Ano Novo
    Fernando Pessoa


    Ficção de que começa alguma coisa!
    Nada começa: tudo continua.
    Na fluida e incerta essência misteriosa
    Da vida, flui em sombra a água nua.
    Curvas do rio escondem só o movimento.
    O mesmo rio flui onde se vê.
    Começar só começa em pensamento.

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