sobre começos e fins e começos
termino o ano querendo lembrar meu pai, que morreu em novembro / começo o ano querendo celebrar meu pai, com quem aprendi a importância de celebrar cada encontro
VE - esta música que você está
cantarolando, eu conheço
JO - será que conheço o senhor?
VE - quantos anos você tem?
JO - vinte, e o senhor?
VE - oitenta e
um
JO - de onde o senhor é?
VE - você é de Passos?
JO - sim, por quê? o senhor é de
Passos?
VE - sim, não pode ser, será?
JO - me parece familiar, o
senhor mora por aqui?
VE - eu te conheço de algum lugar,
como se chama?
JO - Ezequias, e o senhor?
VE - Ezequias
JO - não é possível
VE - como assim? eu fiz teatro e você?
JO - não pode ser
VE - somos
diferentes demais e parecidos demais
JO - que sensação curiosa, o senhor se
parece comigo
VE - podemos estar sonhando, um
com o outro
JO - sim, mas como saberíamos
quem está sonhando quem?
VE - você me é estranhamente
familiar
JO - eu sou real, logo, o senhor
é um sonho, meu sonho
VE - sonho pode ser previsão do futuro
JO - estou me imaginando daqui a quantos anos?
VE - sonho pode ser previsão do futuro
JO - estou me imaginando daqui a quantos anos?
VE - estamos em 2003, uns sessenta, ou talvez eu seja o sonhador
JO - eu, sonho seu?
VE - sonho pode ser memória, meus velhos tempos de juventude
JO - eu, sonho seu?
VE - sonho pode ser memória, meus velhos tempos de juventude
JO - e eu estou viajando demais
VE - mesmo que seja possível, é
difícil rememorar e não se encontrar consigo mesmo
JO - será que é isso que está acontecendo?
VE - fico imaginando como devo ter sido
JO - será que é isso que está acontecendo?
VE - fico imaginando como devo ter sido
JO - acho louco demais imaginar
o futuro
VE - você quer saber alguma coisa
do meu passado, seu futuro?
JO - sim, será que quero?
VE - fulano está assim, sicrano
assado?
JO - que apresentações o senhor tem
feito ultimamente?
VE - fiz um comercial para a TV, uma
encenação da vida de Cristo, na qual fiz Nicodemos, uma ponta num filme da Prefeitura,
uma leitura de poemas em Passos
JO - incrível
VE - e você? o que está pensando
em fazer?
JO - trabalho no Banco da
Lavoura, e vou começar a trabalhar também na Rádio Guarani
VE - claro, como rádio ator,
então, estamos, você está em 1942
JO - como anda sua memória?
VE - ela começa a parecer-se cada
vez mais com o esquecimento
JO - o senhor se lembra do que ainda não fiz
VE - me impressiona o quanto você é, fui eu
JO - o senhor se lembra do que ainda não fiz
VE - me impressiona o quanto você é, fui eu
JO - o senhor é que vai ser, sou
eu
VE - a diferença é que você ainda
é livre para recusar possibilidades
JO - e o senhor não tem liberdade
para recusar o que já viveu
VE - que estranho este gesto seu
JO - o senhor me é tão familiar
JO - o senhor me é tão familiar
VE - eu sempre gostei de
ficar me olhando no espelho
JO - o senhor parece estar
entediado, farto de fazer o que faz
VE - ainda me surpreendo
com as coisas de que sou capaz
JO - me assusta saber o quanto sei fingir
VE - me assusta saber quantos sou, fui
JO - gosto de me olhar no espelho
VE - me assusta saber quantos sou, fui
JO - gosto de me olhar no espelho
VE - me assusta minha fragilidade
JO - me entusiasma minha chama refletida
VE - olhando pra você, me
pergunto, de onde venho, de que vida subterrânea?
JO - olhando pro senhor, me
pergunto, pra onde vou? qual o meu segredo?
VE - acho que estou delirando
JO - o senhor me causa medo, fico
afim de chorar
VE - você me parece delirante, me
dá vontade de rir
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